segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Canto da Praça

O místico lugar de encontro para descanso do próprio descanso natural

 

Quer o mar esteja bravo ou manso

Ali olhando a caldeira de vez em quando

Pra ver se está claro ou há nevoeiro

O termo mestre do tempo que vai fazendo

Será lobrina ou aguaceiro

Ali reúne o parlamento local

Há convicções, há discussões

De democracia diplomacia

Tanto local como internacional

E por intermeio também do alheio

São os temperos da vida já vivida

E daquilo que há-de por vir

Às vezes ao sério ou para rir

Vá vindo de longuíssima data

Cedrenses da mais pura nata

Desde o saudoso Tomás Cardoso

Ao Leonardo do cabeço homem sem mania

Da mais sagaz sabedoria

E o competente José Agostinho

Homem de várias ciências

Ocupando duas presidências

Levando-as no bom caminho

Para se manter as coisas na moda

E o lugar do «Tomás» se preencher

Outro Cedrense de muito saber

O carismático “Chico Poda”

O chafariz também faz parte da história

Dos tempos passados em grata memória

Recordar todos tarefa inclemente

Mesmo impossível lembrar tanta gente

Dali dão um salto ao cemitério

Para deixar uma prece

Aos residentes que bem a merece

E como no fado que o poeta escreve

Que ao menos a terra lhe seja leve

Quanto a nós os imigrantes de visita

Esta mensagem fica escrita

Na hora do regresso ao partir

Já começam a sentir estranho sentir

Na mente uma sensação que nunca passa

Pelo nosso sem rival CANTO DA PRAÇA

 

Agosto 2007

 

Eduardo Lacerda

 
 
Chafariz da Praça
 
 
 
 

domingo, 13 de janeiro de 2013

Castelo da Rocha Negra


A casa conhecida como "Castelo da Rocha Negra", ou da "Ponta Negra" é  totalmente construída em alvenaria de pedra à vista e destaca-se na paisagem pelo seu porte altivo, imponente e misterioso que lhe valeu a alcunha de "castelo". Não é um castelo mas, apesar da sua planta em "L" hoje reduzida a um retângulo, lembra vagamente uma torre senhorial, muito fechada, com os vãos principais no terceiro piso (no lugar dos balcões medievais com mata-cães) e os remates superiores dos cunhais muito salientes (em vez dos elementos arquitetónicos de carácter defensivo).

Esta casa da família Lacerda, aos Cedros, salienta-se por diversos motivos. Tem três andares em vez dos dois pisos habituais das casas nobres, sendo o piso térreo destinado às lojas e os outros dois a habitação. A edificação remanescente esboça o braço arruinado de uma planta em "L" (que foi aproveitado no século XX para aí se construir um corpo, de um só piso, com uma nova cozinha) mas a cozinha primitiva era o grande compartimento do corpo principal por onde se entrava na habitação (a porta abre-se no tardoz junto à zona mais alta do terreno), onde nascia a escada de comunicação entre pisos e onde um terço da área é ocupado pela gigantesca lareira. O piso intermédio não tem vãos de qualquer espécie na fachada principal nem na empena direita, o que contribui para a aparência de torre acastelada e reforça o peso das consolas trabalhadas das janelas do piso superior.

O trabalho das cantarias das varandas e das cornijas salientes dos cunhais indicia uma construção (ou reconstrução) não anterior ao século XVII, muito provavelmente já do século XVIII. O "Castelo da Rocha Negra" é, assim, a ruína de uma casa resultante do desejo de afirmação de linhagem, eventualmente inspirado grosseira e tardiamente no modelo da torre medieval, ou que terá mesmo acompanhado, de modo algo rude, o movimento de recuperação dos sinais exteriores de poder e nobreza expresso em muitos solares portugueses de setecentos.
 
 


CASTELO DA ROCHA NEGRA
CEDROS • RUA DR. NEVES, AREIAS
EDIFÍCIO ISOLADO
ARQUITECTURA DOMÉSTICA
ÉPOCA DE CONSTRUÇÃO INICIAL: SÉC.XVII/SÉC.XVIII
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O Senhor do Castello da Rocha Negra
Bartolomeu Pereira de Lacerda habitava aquela casa torreada, a Cavaleiras da Rocha Negra, donde tirava o cognome – Senhor do Castelo da Rocha Negra. Daquele viso de monte descortinava roçando céu e horizonte Pico, São Jorge e Graciosa. E de tão gabada vista se vangloriava. Ali ermava, pois entre abegões e eguariços, vianda farta e pichel transbordante, cuidando da filha mimalheira e dos pingues senhorios.
Sabidas e suadas eram as suas riquezas, embora em seu castelo não vezasse estadear pompas. Na sala vaga, (1) nua de decorações e reduzida de mobiliário, andavam a granel o milho e o feijão. E na arrecadação, a par da espada, da lança e outras armas de cavaleiro, rodavam as enxadas e outros instrumentos de lavoura. Mas onde não luziam magnificências, luziam moedas de ouro amuadas em arca forte-tantas que, moeda adiante de moeda, poderia percorrer uma légua sempre em cima do seu dinheiro.
Testudo e duro de brios, esforçado e capaz de feitos atrevidos, não consentia menoscabo ou ataque à sua honra e fazenda, nem tao pouco a seus privilégios-que alguns em muita conta os tinha, maiormente aquele outorgando-lhe direito de acompanhar a procissão debaixo do pálio.
Corria o ano de 1514, célebre pela famosa embaixada que o rei venturoso enviara ao papa Leão X, com a qual deslumbrou o mundo. No primeiro Domingo do mês de Agosto celebrava-se a festa do orago, nos Cedros. De tarde desfilaria o préstito com a a solenidade costumada. Repicavam sinos e tocavam charamelas, estouravam morteiros e estalavam foguetes. A população exultava. É a hora do saimento e Bartolomeu de Lacerda habitualmente pontual, não comparece. Podia o pároco esperar ou mandar recado, mas, desafecto àquele senhor, de altivez, asselvajada e prerrogativas desmarcadas, fez romper a mancha.
Neste comenos, enroupado de gala, saltava na sela o senhor do Castelo da Rocha Negra que voa na estrada, direito à igreja. Inesperadamente dá de rosto como desfile, na revolta da praça.
- Tripas de Judas!...Ides-mas pagar, padre velhacaz!
Apeou-se de salto e investiu como uma bomba sob o pálio, estalando tamanha bofetada, que o padre solerte e desatento rolou, na esteira de verduras enrodilhado no pluvial.
Assombroso resultou o escândalo e, se a malta supersticiosa e indignada se conteve, foi por medo ao fidalgo, valente e assomadiço, cujos olhos pareciam brasas.
O desacato, porém, não era de ficar impune. No dia imediato seguia intimidação ao violento Bartolomeu para se apresentar na ouvidoria. Respondeu, rasgando-a na cara do meirinho e acrescentando:
-Só de el-rei recebo ordens! Largai daqui e larguei breve!
O ouvidor enviou então uma escolta a capturar o rebelde; contudo desistiram da empresa, de tal sorte se amata e a fortalecera o castelão da Rocha Negra.
Meses volvidos, a intimidação descia de el-rei para, sem tardança, comparecer na corregedoria da capital do reino – aquela com jurisdição em terras Açorianas.  
Desta vez obedece o altivo cavaleiro. Enfardela a trouxa, embarca e, vela enfunada, singra rumo de Lisboa. Aqui, apenas desembarcado, lhe intimaram encarceramento.
A janela da prisão olhava sobre um picadeiro onde só iam adestrar cavalos das coudelarias reais. Certa tarde trouxeram um, cor de amora e olhar de fogo, que os palafreneiros não conseguiam domar. Isto se passava atentamente observado pelo prisioneiro que declamou, impulsivo, lá dos varões de ferro:
- Obtende-me permissão para largar nesse corcel que, se nisto vierdes, palavra de fidalgo! Antes de baterem vésperas, vo-lo tornarei manso como mãe de poldros.  
- Feito!...Feito!-Lhe retorquiram.
Em menos de três credos acudia a permissão.
O recluso ingressa no picadeiro. De pulo cavalga o murzelo que em pronta defesa, se empina. O cavaleiro ataca-o de acicales, rudemente, e a defesa muda para impetuosos e rápidos galões. Inútil esforço! O calção está colado e o bicho toma o partido de arrancar, como uma bala.
Ainda não transcorrera o tempo marcado e já regressavam.
A montada espuma, um sopro fumega-lhe nas ventas e caminha a passo, completamente dominada.
Ergueu-se um brado de admiração, ecoante nos régios paços.
Bartolomeu de Lacerda foi chamado a el-rei que dest`arte lhe falou:
- Extremado cavaleiro  sois. Guardai o murzelo que dominastes mais esta espada damasquina. Com tais graças me praz brindar-vos! Ide-vos em hora boa.
O senhor do castelo da Rocha Negra voltou aos seus domínios, mais fero e sobranceiro do que nunca.
 
Manuel Da Câmara